

Sede da associação que recebe pessoas com deficiência fica no bairro Trindade, onde também funciona o brechó – Foto: Germano Rorato/ND
A chegada de um filho e o crescimento da família são momentos aguardados pela grande maioria dos pais, que se preparam para as descobertas e novidades, ao mesmo tempo em que passam a conviver com a preocupação de como será a vida do bebê, da criança, do adolescente e do adulto.
Quando as coisas saem do planejando e os pais recebem o diagnóstico dos filhos com deficiência ou de algum transtorno, como o TEA (Transtorno do Espectro Autista), as perspectivas mudam e precisam ser ajustadas à nova realidade. Afinal, se a vida seguir o rumo de os pais morrerem antes dos filhos, quem cuidará deles?
Foi a partir deste questionamento que os amigos e atualmente parceiros de trabalho Maria Elizabeth Sandri Coutinho e David Luiz Bittencourt Neto — como presidente e diretor financeiro, respectivamente — deram início à ACV (Associação Caminhos Para a Vida), uma entidade criada para atender filhos com deficiência e com TEA e prepará-los para o momento em que terão de viver sem os pais.
“Pela ordem natural da vida, os pais vão antes e, no caso da minha família, não temos rede de apoio, então temos que ter uma estrutura para garantir o futuro do meu filho”, pontua o diretor.

David Luiz Bittencourt Neto e o filho João Marcos: o pai criou a entidade para ter certeza de que, quanto morrer, ele estará bem cuidado – Foto: Germano Rorato/ND
Neto é pai do João Marcos Ribeiro Bittencourt, que foi diagnosticado com TEA nos primeiros anos de vida, mas o pai já observava o comportamento da criança.
“Notamos que ele era diferente desde o berço, porque ele ficava virando a cabeça de um lado para o outro. Ele andou na idade normal, mas tinha fixação por determinados objetos; na época, era disco de vinil e fita cassete. Colocávamos no toca fitas e, até hoje, é um santo calmante”, conta.
Novas oportunidades para pessoas com deficiência
No caso de Maria Elizabeth, acompanhar o desenvolvimento de Mario Wilson Sandri Coutinho, diagnosticado com síndrome de Angelman — distúrbio neurológico que afeta o desenvolvimento, comprometendo a fala e o equilíbrio —, a criação da entidade foi como encontrar novas possibilidades e oportunidades.
Mario Wilson aos 9 anos teve o diagnóstico, após a mãe identificar algumas adversidades no desenvolvimento do filho. O prognóstico dos especialistas era de que ele não iria nem andar.
“Quando o filho nasce assim [com deficiência], parece que o mundo acaba, porque a expectativa é outra. Até que o tempo passa e assimilamos, aceitarmos que é um filho com deficiência, com limitações”, reflete a mãe.

Maria Elisabeth acompanha a evolução do filho Mario, que hoje pratica corrida de rua com ela – Foto: Germano Rorato/ND
Ao mesmo tempo, ela tinha a preocupação de saber como seria a vida dele quando chegasse a hora de ela partir. A criação da entidade, que completou 20 anos no último dia 6, teve papel importante no desenvolvimento de Mario.
Hoje, aos 37 anos, ele venceu a dificuldade para caminhar e descobriu o gosto pela corrida de rua, uma paixão que garantiu a ele 30 medalhas. Orgulhosa, a mãe divide as pistas com o filho.
Rotina direcionada à independência dos filhos com deficiência
Com sede na Trindade, a ACV conta com atendimentos de segunda a sexta-feira aos 17 educandos, diagnosticados com síndrome de Angelman, paralisia cerebral, deficiência intelectual ou Transtorno do Espectro Autista.
Aos fins de semana, também é possível contar com a hospedagem, opção que é utilizada por Maria.
“O Mario sempre fica muito animado ao saber que vai pra lá. Por muitos anos, deixei de passear com meu marido e agora melhorou muito, porque sabemos que ele está sendo bem cuidado. Agora também estamos vivendo”, conta a presidente.
Durante o período em que estão na unidade, os educandos têm uma rotina pautada em tarefas direcionadas à independência, incluindo atividades de fisioterapia, de psicologia, de pedagogia e de educação física.
No caso do coordenador da unidade e psicólogo Paulo Henrique Panko, as práticas são voltadas à saúde mental.
“Gosto de fazer algum jogo, alguma atividade com o viés de sentimentos e emoções. Uso um quebra-cabeça de sentimentos e emoções. Trabalho um pouco mais lúdico, trazendo o tema das emoções: raiva, felicidade, tristeza e alegria.”
Além da possibilidade de participar das práticas diárias ou hospedagem, uma das metas da associação é a moradia fixa. A ideia é ter um local que seja capaz de abrigar os educandos após a partida dos pais, com todo o acompanhamento necessário.
A alternativa ainda não está disponível porque a instituição está em busca de um espaço maior para a construção.

“Há o fator social, uma risada, um abraço, um choro, um grito, uma crise. Sempre tem uma vivência social.” – Paulo Henrique Panko, psicólogo da ACV – Foto: Germano Rorato/ND
Experiências com música e culinária e passeios
No caso de Vitor Di Bernardi Martins, o Almirante, que visita a associação três vezes por semana, os momentos preferidos são aqueles em que há música ou quando a atividade envolve a culinária, uma das ações compartilhadas no espaço e que ensinou ao jovem o passo a passo para produzir um bolo.
“Era um bolo vegano. Foi uma receita que a gente fez, comemos e gostamos muito”, lembra o educando.
Além dos momentos em sala, a turma também aproveita para conhecer o que há ao redor da ACV, assim como os diversos parques de Florianópolis — o passeio é uma das atividades e surgiu com o intuito de socialização.
“Somos um centro de convivência, então há o fator social, uma risada, um abraço, um choro, um grito, uma crise. Sempre tem uma vivência social, que é algo que pega bastante”, pontua o coordenador Paulo Henrique Panko.

“Era um bolo vegano.Foi uma receita que a gente fez, comemos e gostamos muito.” – Vitor Di Bernardi Martins, o Almirante, educando da ACV – Foto: Germano Rorato/ND
Convivência e acompanhamento dos filhos com deficiência
Os custos com cada educando são elevados, em média R$ 190 por dia, e os familiares contribuem com um valor mensal de acordo com a periodicidade — para aqueles que ficam durante o fim de semana, o valor para os dois dias é de R$ 390.
Para ajudar a arcar com as despesas, a instituição criou um brechó, além de receber doações em dinheiro, de roupas masculinas e femininas, de alimentos e de produtos de limpeza.
Aqueles que observam o desenvolvimento dos educandos sabem que a convivência e o acompanhamento são primordiais para que as atividades do dia a dia sejam cumpridas.
“O nosso papel é inseri-los na sociedade, para ele ser, para ele se conhecer, porque antigamente ficavam em casa, escondidos. É o papel da família e o nosso, como associação”, diz a presidente.
Para quem um dia recebeu o diagnóstico de que o filho poderia não andar, todos os esforços ganharam um novo significado com a criação do espaço pensado para quem enfrenta uma deficiência ou um transtorno.
“Que mais pessoas possam conhecer o nosso trabalho e que trabalhamos para cuidar bem dos seus filhos. É um legado que estamos deixando também para os nossos filhos.”
Como ajudar
Para quem deseja ser voluntário ou contribuir com a instituição, o contato pode ser feito pelo (48) 3209-0949, por ligação ou WhatsApp — o mesmo número pode ser utilizado por empresas interessadas em contribuir. Para doações via PIX, a chave é 07.423.150/0001-57 (CNPJ – Associação Caminhos para a Vida).