
A disseminação de informações e fatos mentirosos na internet, as fake news, representa um grande desafio para o Poder Judiciário.
Recentemente, uma jornalista do Portal iG foi vítima de uma fake news espalhada em vídeos nas redes sociais, que falsamente a apontam como autora de um crime de envenenamento em massa no Haiti.
Em entrevista ao iG, Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital, afirmou que a propagação dessa natureza é mais do que um desvio ético, pois pode gerar responsabilização em várias areas, como civil, penal e administrativa.
“Quando o conteúdo falso envolve a associação injusta de alguém à prática de um crime, como ocorreu com a jornalista do Portal iG, a situação se agrava”, pontua.
Discussão nas esferas judiciais

Em 2023, o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chegou a dizer que “Notícias fraudulentas são a praga do século 21”.
“É preciso atuar em três frentes: educação, prevenção e repressão. A discussão sobre como se deve dar o avanço no combate à desinformação deve girar em torno desses três eixos. Precisamos trabalhar para tornar a democracia um pouco mais imune a essa enxurrada de notícias fraudulentas e ataques virtuais que temos vivenciado nos últimos cinco anos, especialmente”, declarou o ministro, na oportunidade.
Em abril de 2024, Moraes assinou um acordo de cooperação entre o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde), a Polícia Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU) para combater a desinformação durante o período eleitoral.
No Congresso Nacional, um projeto de lei batizado de “PL das Fake News” está em tramitação desde maio de 2024, tratando de uma regulação das redes sociais. A proposta está emperrada por não haver consenso entre os deputados sobre a aplicação da norma.
O que diz a lei sobre a disseminação de fake news?
Segundo Coelho, atualmente não há no Brasil um tipo penal específico para “fake news”.
Porém, a disseminação de informações sabidamente falsas que causem danos a terceiros pode se enquadrar em diversos crimes previstos no Código Penal, como:
- • Calúnia (Art. 138) – Imputar falsamente um crime a alguém;
- • Difamação (Art. 139) – Atribuir fato ofensivo à reputação da pessoa;
- • Injúria (Art. 140) – Ofender a dignidade ou o decoro;
- • Falsa identidade (Art. 307) – Usar indevidamente imagem ou nome de terceiro;
- • Associação criminosa (Art. 288), em casos organizados e reincidentes.
“Além disso, há responsabilidade civil por danos morais, com possibilidade de indenizações vultosas quando comprovado o abalo à imagem, à honra ou à vida profissional da vítima”.
Possíveis agravantes
Para o advogado, um crime ligado à divulgação de fake news pode ter agravantes quando envolve falsas acusações de crimes graves, como homicídio, estupro ou fraude.
“Nesses casos, o dano é maior e o Judiciário tende a ser mais rigoroso”.
Se a informação falsa for divulgada com dolo ou má-fé — quando a pessoa sabe que é mentira —, a pena pode ser aumentada.
Outro fator que agrava a situação ocorre quando o caso ganha grande repercussão nas redes sociais, já que isso amplia os prejuízos à vítima.
“‘Mas eu só compartilhei…’ Essa é uma das maiores armadilhas do mundo digital. O simples fato de republicar uma fake news já pode gerar responsabilização, especialmente se houver indícios de que a pessoa sabia ou deveria saber da falsidade”.
O que fazer caso seja vítima?
Quem é vítima de fake news deve, antes de tudo, preservar as provas.
Prints, links e registros são fundamentais. Depois, é importante fazer o boletim de ocorrência e procurar um advogado.
Também é possível acionar judicialmente os responsáveis, inclusive as plataformas digitais, que têm o dever de remover rapidamente conteúdos ilícitos após serem notificadas formalmente.
“O ambiente digital não é uma terra sem lei. E o botão ‘compartilhar’ pode parecer inofensivo, mas carrega o potencial de destruir reputações, carreiras e vidas. Espalhar uma mentira com a foto de alguém é tão grave quanto colar um cartaz falso em um poste. A diferença é que, na internet, o poste tem alcance mundial”, finaliza o advogado.