‘Advocacia predatória’: polícia indicia advogado por enganar clientes e fazer empréstimos em nome de pessoas mortas no RS


Daniel Nardon é considerado foragido pela Justiça. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) suspendeu o exercício da profissão por ele. Polícia acredita que ele pode ter lesado milhares de pessoas e causado um prejuízo de até R$ 320 mil. Advogado Daniel Nardon está foragido da justiça
A Polícia Civil indiciou o advogado Daniel Nardon por supostamente enganar clientes, ficar com dinheiro de ações movidas em nome deles e de assinar procurações em nome de pessoas já mortas. Nardon está foragido da Justiça e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) suspendeu o exercício da profissão por ele. O escritório dele foi alvo de operação da Polícia Civil em 7 de maio.
O esquema, chamado pela Polícia Civil de “advocacia predatória”, pode ter lesado milhares de pessoas e causado um prejuízo de até R$ 320 mil. Além dele, outras 13 pessoas são suspeitas dos crimes de estelionato, falsidade ideológica, falsificação de documento particular, patrocínio infiel, uso de documento falso, fraude processual e apropriação indébita (saiba, abaixo, como o esquema funcionava). Há 45 inquéritos abertos contra os suspeitos.
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Conforme o delegado Vinícius Nahan, Nardon vai responder por falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso.
Ele conta que, em janeiro de 2025, o Ministério Público (MP) solicitou investigações a respeito “da prática de ilícitos em ações judiciais movidas em nome de pessoa já falecida em 3 de junho de 2024”.
“Conforme apurado, o investigado, na condição de advogado, ingressou com ações judiciais de revisão de contrato contra instituição bancária, juntando procuração supostamente firmada pelo autor em 23 de agosto de 2024, mais de dois meses após sua morte. A contradição foi detectada pelo juízo responsável e comunicada ao MP”, conta Nahan.
Em um processo judicial, a Justiça disse que, “intimado para esclarecer a situação, já que a procuração e o ajuizamento distanciam mais de sessenta dias desde a morte, o advogado se limitou a indicar que ‘à época da assinatura da procuração, desconhecia sobre a morte do autor. Portanto, não havia qualquer comunicação oficial ou informação acerca do óbito, o que impediu que tivesse ciência da procura não poderia ser validamente outorgada naquele momento”.
No entanto, conforme a Polícia Civil, a procuração falsa foi utilizada para o ajuizamento da ação em nome de pessoa morta, sem nenhuma ressalva, assim como foi usada para o ajuizamento de outras oito ações distribuídas para as outras unidades cíveis da comarca na mesma data.
A polícia confirmou a existência de múltiplos processos com o mesmo padrão de atuação, todos ajuizados em Porto Alegre – todas com procurações emitidas em nome da pessoa morta. O filho da vítima foi ouvido e declarou desconhecer a existência das ações revisionais contra bancos, além de não reconhecer a assinatura nos documentos.
“O investigado foi regularmente intimado por meio de sua defesa constituída, mas não compareceu nem apresentou qualquer justificativa, sendo atualmente considerado foragido. A própria defesa informou que não mantém mais contato com ele desde o dia da operação na semana passada”, afirma Nahan.
Ricardo Breier, advogado de Nardon, confirma as informações do delegado, mas não se manifestou a respeito do indiciamento do cliente.
Agora, o inquérito vai para o MP, órgão responsável por oferecer denúncia à Justiça (acusar) ou não contra Nardon. Se a Justiça aceitar a denúncia, ele vira réu e começa a responder ao processo pelos crimes.
Como era o esquema
Como era esquema de fraude contra clientes de advogado no RS
RBS TV
Conforme a Polícia Civil, representantes da empresa Pro Consumer entram em contato com potenciais clientes utilizando informações particulares, como dados sobre empréstimos consignados vinculados a benefícios previdenciários.
Os clientes, geralmente em situação de vulnerabilidade, são abordados com a promessa de resolver supostas cobranças “abusivas” de instituições financeiras, mediante honorários advocatícios de 30% sobre os valores que viriam a ser “recuperados” judicialmente.
Após ser convencido, o cliente fornece seus documentos, que passam a ser utilizados pelo grupo para instruir ações judiciais contra instituições financeiras.
Depois, os clientes são novamente contatados e acreditam que irão receber valores das ações, mas os montantes depositados nas suas contas bancárias não têm relação com os processos judiciais, são supostamente de novos empréstimos contratados, sem o consentimento deles, viabilizados possivelmente pela atuação da Pro Consumer.
Os clientes, acreditando estar pagando os honorários advocatícios combinados, transferem 30% dos valores recebidos para contas indicadas pelos representantes da empresa Pro Consumer. Porém, ao perceberem descontos em seus benefícios previdenciários, se dão conta de que foram vítimas.
Assim, as tentativas de contato com as empresas para esclarecimentos passam a ser ignoradas, deixando os clientes sem respostas e sobrecarregados com dívidas inesperadas.
Polícia faz buscas por provas em escritório de advogados suspeitos de enganar clientes em Porto Alegre
Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Vítimas do esquema
Segundo a polícia, em janeiro de 2024, o grupo distribuiu 36 ações de revisão de contrato de empréstimo bancário em nome da mesma pessoa na comarca de Franca, em São Paulo. Ao ser ouvido, em todas as ações, o homem declarou que não tinha conhecimento dos processos, não reconhecia as assinaturas nas procurações e tampouco conhecia o advogado, com quem nunca teve contato.
Em outro caso, no mesmo ano, uma mulher teve 18 processos ajuizados em seu nome sem ter conhecimento. O advogado utilizou procurações desatualizadas de 2022.
Polícia faz buscas por provas em escritório de advogados suspeitos de enganar clientes em Porto Alegre
Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Ações em nome de pessoas que já morreram
Em agosto de 2024, em Porto Alegre, um processo possuía procuração assinada em 16 de agosto de 2024 em nome de uma pessoa que morreu em 3 de junho de 2024 – essa pessoa teria assinado um documento dois meses depois de morrer.
Houve caso parecido com uma pessoa que morreu em 19 de abril de 2020 e que teria assinado um documento em 26 de maio de 2020.
Em outro caso, havia duas procurações assinadas em 10 de abril de 2023 e em 1º de agosto de 2023, porém o autor se encontra em estado vegetativo desde 2022.
Local onde fica o escritório de onde o grupo atuaria em Porto Alegre
Ronaldo Bernardi/Agência RBS
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