Acordo entre EUA e China: entenda os efeitos da trégua na economia, no comércio e no mercado


Países reduziram temporariamente as chamadas ‘tarifas recíprocas’ durante 90 dias. Segundo especialistas, a pausa é apenas temporária e o acordo pode mudar muito até o final do prazo. EUA e China acertam trégua na guerra tarifária
O anúncio de uma trégua na guerra de tarifas entre Estados Unidos e China foi bem recebido por economistas e analistas do mercado financeiro, mas deve ter efeitos limitados e ainda incertos para destravar investimentos corporativos e o comércio internacional.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, apesar do alívio das tensões entre as duas maiores economias do mundo, a trégua não é uma medida definitiva e pode mudar ao final do prazo de 90 dias.
“É um prazo relativamente curto”, diz Welber Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.
“São três meses para que os dois países tentem fazer um acordo maior, envolvendo o acesso a mercados e a outros temas, além de uma eventual redução de tarifa. Por enquanto, não teremos grandes efeitos nos mercados ou nos negócios”, completa.
O acordo, anunciado na madrugada desta segunda-feira (12), prevê que os dois países reduzam temporariamente as chamadas “tarifas recíprocas” por três meses.
As tarifas dos EUA sobre as importações chinesas cairão de 145% para 30%.
As taxas da China sobre os produtos americanos serão reduzidas de 125% para 10%.
Trump chegou a afirmar que as taxas voltariam a subir sem um acordo, mas destacou que as tarifas sobre produtos chineses não devem retornar para o patamar de 145% após o fim da pausa.
Veja abaixo o que analistas esperam como primeiros impactos do acordo na economia, no comércio exterior e no mercado financeiro.
Welber Barral: ‘Houve muita pressão interna’ para Trump recuar na política tarifária
Na economia
Desde a campanha, Trump tinha como uma das principais medidas econômicas o aumento de tarifas para produtos importados. A agenda protecionista do republicano visa favorecer e priorizar a economia doméstica dos EUA, limitando a concorrência estrangeira.
Mas altas taxas de importação podem acabar alterando a dinâmica do comércio entre economias importantes do mundo, além de encarecer os produtos e insumos de bens e serviços nos EUA.
Se a inflação local para o consumidor aumentar, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) pode precisar iniciar um novo ciclo de alta de juros. A situação pode resultar em uma redução do consumo e uma desaceleração econômica, causando até uma recessão econômica no país.
Além disso, há preocupações sobre o impacto desse ambiente de pressão inflacionária e juros elevados em outros países, potencialmente levando a uma desaceleração global.
Mas Trump teve dois recuos importantes desde abril, quando anunciou o tarifaço. O primeiro foi a pausa de tarifas para os mais de 180 países afetados pelas tarifas recíprocas. Depois, a conciliação com a China.
Segundo Leonardo Monoli, diretor de investimentos da Azimut Brasil Wealth Management, essa trégua acaba sendo um “teste decisivo” para o futuro das relações comerciais entre as duas maiores potências globais, e o mercado deve avaliar os impactos na economia do restante do mundo.
“Parece que evitaram o pior cenário, de fracasso das negociações. Com isso, abrem um caminho para tentar algo positivo”, afirma.
“O presidente do Fed tem discurso nesta semana e, diante da nova conjuntura, será importante verificar como poderá validar uma mudança de cenário.”
No mercado financeiro
Como sempre, quem reage primeiro é o mercado financeiro. O dólar voltou a ganhar força assim que investidores passaram a avaliar que os riscos da economia dos EUA se reduziram.
Os títulos públicos norte-americanos (as Treasuries) subiram, houve um maior otimismo nas bolsas de valores do mundo todo, e até uma valorização das commodities.
“É um acordo ainda recheado de detalhes a serem explicados, mas já é um avanço considerável e os mercados se mostram bastante aliviados desde o anúncio”, diz o economista sênior do Inter, André Valério.
Em geral, a trégua é vista como benigna, uma vez que diminui a incerteza sobre o crescimento da economia global, em especial a dos Estados Unidos.
Os riscos de uma recessão e de uma estagflação (quando há inflação alta e crescimento econômico baixo) ficaram bem menores, e esse era um dos temores do Fed em sua última decisão de juros.
“O movimento pode ser visto como uma correção do mercado, ajustando os excessos após reagir a uma desaceleração mais pronunciada do dólar, especialmente após o anúncio de tarifas”, afirma Bruna Sene, analista de renda variável da Rico.
Para os especialistas, ainda há bastante incerteza sobre qual será o acordo definitivo entre EUA e China após o “cessar-fogo tributário”. Um retorno das desavenças pode trazer desconforto para o mercado ao longo dos próximos três meses, aumentando a volatilidade dos investimentos.
“Os desafios estruturais permanecem. O mercado, embora animado, continuará demandando clareza e avanços concretos nas próximas semanas para sustentar o atual apetite por risco”, explica Monoli, da Azimut.
“O dólar apresenta recuperação inicial, mas ainda não deve significar uma retomada estrutural, refletindo a cautela dos investidores diante da complexidade das negociações.”
Para Sene, da Rico, o acordo não garante estabilidade a longo prazo, algo muito caro para investidores. Assim, a postura será mais analítica. “O acordo foi um passo importante, mas o tema ainda deve continuar gerando instabilidade, e isso exigirá um portfólio de investimentos mais equilibrado”, diz a analista.
Nas empresas e no comércio exterior
Se o mercado financeiro promete parcimônia, as empresas e o comércio internacional serão ainda mais cuidadosos. Os especialistas avaliam que o acordo tende a gerar um otimismo apenas para o curtíssimo prazo.
“Não veremos um grande efeito sobre as exportações e tudo vai depender do que os dois países acertarem nesses 90 dias”, explica Barral, da BMJ. “Por enquanto, todo mundo vai esperar para ver”.
Parte do argumento de Trump para a imposição das tarifas sobre as importações de seus parceiros comerciais é a maior atração de negócios para os EUA.
Para os especialistas, no entanto, a conta não fecha, uma vez que qualquer investimento nessa magnitude levaria anos — e milhares (ou milhões) de dólares para ser concluído.
De acordo com o economista e professor da Fipecafi, Hudson Bessa, o anúncio de acordo entre os dois países melhorou o humor dos empresários e do mercado neste primeiro momento, já que uma conversa mais amigável entre os dois líderes “não é desprezível” no atual cenário.
Para ele, porém, isso não significa um aumento dos investimentos ou das compras internacionais com contratos de longo prazo.
“Esses 90 dias vieram como uma janela de oportunidade, em que os empresários tentarão evitar custos. Então, o que pode acontecer é que isso se traduza em um lampejo de melhora”, afirma Bessa.
“Assim, se virmos um aumento das compras internacionais ou investimentos nesse trimestre, por exemplo, o mercado precisará entender qual leitura fazer: se avaliarão pelo lado de que a economia dos EUA está melhorando ou se irão ver como uma compra por oportunidade, para evitar as tarifas”, completa.
Donald Trump, presidente dos EUA, e Xi Jinping, presidente da China, em foto de 29 de junho de 2019
Reuters/Kevin Lamarque
Adicionar aos favoritos o Link permanente.