

Ato pró-anistia – Foto: Tatiana Azvedo/ND Mais
Por mais que algumas alas do Congresso Nacional insistam em avançar com propostas de anistia para beneficiar quem participou dos atos de 8 de janeiro de 2023, a batalha parece perdida frente à resistência do Supremo Tribunal Federal (STF) em perdoar os crimes — e aos próprios conflitos de interesse que esbarram na legitimidade dos parlamentares que defendem a causa.
Nas últimas semanas, discussões sobre uma possível anistia a investigados e condenados pelos ataques às instituições democráticas em Brasília voltaram à pauta do Congresso Nacional, principalmente na Câmara dos Deputados, que aprovou recentemente uma urgência para discutir a matéria, sem sucesso.
A iniciativa, liderada por bancadas conservadoras, especialmente ligadas ao bolsonarismo, busca amenizar ou extinguir as penas impostas a centenas de envolvidos nos atos golpistas, e buscou ganhar fôlego com um ato realizado em Brasília na semana passada, com a presença do próprio Bolsonaro, sem muito efeito prático.
Apesar da narrativa de “pacificação nacional” que sustenta a proposta, muitos parlamentares duvidam das reais intençoes de quem defende a pauta. Enquanto alguns políticos travam a batalha por necessitarem também de anistia, devido ao fato de terem contas a acertar com a justiça, outros não teriam interesse em bater de frente com a justiça pelo mesmo motivo.
Para muitos, parlamentares, o fato de eles mesmos ou familiares terem “o rabo preso” — expressão recorrente nos corredores de Brasília, é um bom motivo para tentar deixar o assunto de lado e evitar a discussão , que mais cedo ou mais tarde vai acabar caindo nas mãos do Supremo Tribunal Federal.

Tatiana Azevedo/ND Mais – Foto: Jair Bolsonaro chega ao ato pela anistia em Brasíliab
Um Congresso dividido em torno da anistia
Enquanto uma corrente busca aprovar uma anistia ampla, geral e irrestrita para muitos condenados pelo STF, há quem tente costurar um meio termo, numa espécie de mediação entre Legislativo e o Judiciário, mas a possibilidade não enche os olhos de quem há tempos luta pelo perdão aos presos do 8 de janeiro.
Um parlamentar que está envolvido com o tema disse em caráter reservado ao Portal ND mais que a construção de um projeto alternativo, como defendido pelo presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP) não passa de uma tentativa de ganhar tempo, ou seja, adiar a discussão sobre a anistia até que ela perca força.
Por outro lado, há quem garanta que um meio termo para a anistia não resolveria muita coisa na vida de quem está preso injustamente há anos. Segundo o deputado Rodrigo Valadares (União-SE), que relatou a proposta de emenda à Constituição que tramitou na Comissão de Constituição e Justiça sobre o tema, para fazer dosimetria de pena o Supremo Tribunal Federal (STF) não precisa de ajuda externa, muito menos de projeto de lei.
Mais ao centro, o deputado José Nelto (PP-GO) acredita que a negociação entre os poderes será o melhor caminho para que o Congresso possa avançar no debate sobre a anistia. Segundo o deputado, não é possível anistiar generais e financiadores de um quase golpe. “Quem queria acabar com a democracia não merece perdão, merece prisão”, pontuou.
O próprio presidente da Câmara, Hugo Motta, que após o ato pela anistia na semana passada não se pronunciou sobre o tema, já afirmou algumas vezes que é preciso encontrar uma solução de consenso para a anistia, revendo as penas muito pesadas em alguns casos, mas penalizando quem teve culpa pelos atos que resultaram em destruição e vandalismo naquele domingo de 2023.

Hugo Motta comunicou o adiamento da votação da anistia – Foto: Câmara dos Deputados/YouTube/Reprodução
A tentativa de anistiar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro revela mais do que uma divergência política: expõe uma tentativa de reescrever a história recente do país para blindar aliados e evitar investigações que podem atingir o próprio núcleo do bolsonarismo no Congresso. Diversos deputados e senadores que defendem a medida têm relações com figuras já condenadas pelo STF ou aparecem em inquéritos em andamento.
Na opinião do consultor político Paulo Kramer, professor aposentado da Universidade de Brasília, além da capacidade de retaliação do STF, a anistia ao 8 de janeiro esbarra na assimetria de poder existente hoje no Congresso, e que permite aos presidentes da Câmara dos Deputados e Senado Federal pautarem somente o que quiserem.
“Na situação atual, para que as coisas mudem, e a anistia seja pautada, um número maior de deputados e senadores precisaria pressionar os seus respectivos presidentes pela mudança. Nem Alcolumbre, nem Motta suportarão se indispor com uma esmagadora maioria dos seus pares”, explicou o cientista político.
Paulo Kramer citou o exemplo do que ocorreu na semana passada, quando a maioria dos deputados ficaram a favor de Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso do trancamento da ação penal contra o deputado [derrubado posteriormente pelo STF]; quando Motta não teve outra alternativa senão apoiar a posição dos colegas.

Estátua do STF foi pichada em 8 de janeiro de 2023 – Foto: Reprodução/R7/ND
STF como guardião da Constituição
Diante desse cenário, o Supremo Tribunal FederaL, até pelo julgamento dos inquéritos do 8 de janeiro, tem se posicionado como barreira institucional à anistia ampla, geral e irrestrita, como defende parte do Congresso Nacional. Ministros da Corte, como Alexandre de Moraes, têm reiterado que não se trata de vingança ou perseguição política, mas da aplicação da lei diante de crimes graves contra o Estado democrático de direito.
Para a Suprema Corte, conceder a anistia, em alguns casos equivaleria a abrir um perigoso precedente: o de que é possível atentar contra a democracia e, posteriormente, ser perdoado por conveniência política. A jurisprudência da Corte também aponta que crimes como tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio público e incitação à violência não podem ser banalizados sob a desculpa de pacificação.
Além disso, cabe ao STF avaliar, mesmo se a anistia passar pelo crivo do Congresso Nacional, se ela fere cláusulas pétreas da Constituição Federal. E há sinais claros de que a Corte está disposta a intervir, caso veja na lei um artifício para obstruir a Justiça ou proteger criminosos, assim como já ocorreu em outros casos, como no recente episódio da ação penal contra Ramagem, trancada pelo Congresso; e derrubada pela Suprema Corte logo depois.