
Um estudo inédito publicado na revista The Lancet Infectious Diseases revelou que o Brasil trata corretamente apenas 0,36% dos casos graves de infecções por bactérias resistentes a antibióticos de última linha — uma das taxas mais baixas entre os países analisados.
A média entre as oito nações avaliadas foi de 6,9%. A pesquisa aponta para um enorme abismo no acesso a medicamentos adequados contra infecções por bactérias conhecidas como CRGN (gram-negativas resistentes a carbapenêmicos), consideradas as mais difíceis de combater atualmente.
O levantamento foi conduzido por pesquisadores da GARDP (Parceria Global de Pesquisa e Desenvolvimento de Antibióticos) e utilizou dados de 2019 para calcular, de forma inédita, quantas pessoas precisavam de tratamento e quantas efetivamente tiveram acesso aos antibióticos adequados.
No Brasil, foram estimados 101 mil casos graves de infecção por essas superbactérias — mas só 363 pacientes receberam o tratamento correto.
Os pesquisadores explicam que essas bactérias, como Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa, estão entre as mais letais e são resistentes a diversos medicamentos. Elas causam infecções em órgãos vitais, como pulmões e corrente sanguínea, e geralmente afetam pacientes internados em UTIs.
A resistência antimicrobiana (RAM) é considerada uma das maiores ameaças à saúde global. Em 2019, foi responsável direta por 1,27 milhão de mortes no mundo, segundo estimativas do mesmo grupo de pesquisa. Se nada for feito, o número pode saltar para quase 2 milhões de mortes por ano até 2050.
O estudo também mostra que a dificuldade de acesso ao tratamento vai além da falta de medicamentos. Muitos pacientes sequer recebem o diagnóstico correto a tempo. Em países como o Brasil, faltam laboratórios com tecnologia adequada, estrutura hospitalar para identificar as infecções e políticas públicas que garantam o uso e a distribuição correta dos antibióticos.
Além disso, o estudo alerta para o ciclo vicioso da resistência: o uso inadequado de antibióticos contribui para o surgimento das superbactérias, mas mesmo quem é infectado por elas frequentemente não consegue o tratamento necessário — o que resulta em mortes evitáveis e maior disseminação dessas infecções nos hospitais.
Os autores propõem a criação de metas globais semelhantes às usadas no combate ao HIV — como a “cascata do cuidado” — para identificar e tratar adequadamente esses pacientes. Eles defendem ações coordenadas entre governos, sistemas de saúde e farmacêuticas para garantir o acesso aos medicamentos certos, ampliar os diagnósticos e investir em novos antibióticos.