
*Por: Mário Luiz Delgado
Em fevereiro deste ano, o Senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) apresentou um projeto de lei para reforma do Código Civil, elaborado por uma Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal. No último dia 01/04 foi lançado, no Salão Negro do Senado, um livro organizado por Pacheco e contendo as principais diretrizes da reforma.
Desde a conclusão dos trabalhos da Comissão de Juristas, surgiram antagonistas ao movimento de reforma. A pretexto de se criticar a redação de um ou outro dispositivo, propõe-se que o texto não seja sequer discutido, instigando-se o Parlamento a promover o seu “arquivamento”. Interessante notar que esse tipo de crítica é uma constante histórica em todos os processos de codificação.
Quando se promulgou o Código francês, acusaram-no de refratário ao progresso, por homens tão ilustres quanto Benjamin Constant, Chenier, Guinguené e outros.
Criticaram-no porque não continha nada de verdadeiramente novo, nenhuma criação legislativa que imprimisse à sociedade francesa um caráter próprio e duradouro, não sendo mais, diziam, do que uma tradução do direito romano e dos costumes, reduzida a artigos numerados e operada a partir das Institutas de Justiniano ou das obras de Domat e Pothier.
Durante a tramitação do projeto que deu origem ao Código atual, e que a maioria dos críticos de hoje prefere manter intacto, já se atacava a redação então projetada por sua desatualização.
Eis que passados mais de quatro lustros de vigência de um Código que se dizia “nascido velho”, e que na maioria de suas disposições se manteve praticamente intocado, repetem-se as críticas “desconstrutivas” ao movimento reformista.
Fala-se, por exemplo, em insegurança jurídica pela presença, na Teoria Geral dos Contratos, de conceitos jurídicos indeterminados, como os de confiança, simetria e paridade, esquecendo-se de que a inserção de cláusulas gerais, maior expressão da vagueza semântica no discurso legislativo, foi sempre saudada como um dos grandes avanços do Código atual, a permitir a sua perene atualização por atuação do intérprete, sem necessidade de novas alterações legislativas.
Em tema de responsabilidade civil, ataca-se, principalmente, a previsão da sanção pecuniária punitiva, de caráter pedagógico, não obstante não se apresente qualquer sugestão para solucionar o gravíssimo problema do baixo valor das indenizações por dano moral no Brasil.
Ora, as chamadas indenizações punitivas ou punitive damages, conquanto próprias do Common Law, têm sido frequentemente aplicadas na jurisprudência brasileira, como critério de quantificação do dano moral, apesar da falta de amparo legal e, por vezes, a confundir punição e compensação.
A sugestão proposta para o § 3º do art. 944-A tem o mérito de trazer ao debate esse tema fundamental, incluindo a tormentosa questão da destinação das indenizações punitivas, propondo a sua sistematização.
No Direito de Família, contesta-se a inclusão automática do nome do pai no registro de nascimento, nos casos de recusa ao exame de DNA, pelo art. 1609-A, quando a regulação jurídica da família, no Código atual, talvez constitua um dos poucos temas em que a necessidade de atualização legislativa é quase unânime. Ainda assim, pretende-se, de forma pouco democrática, interditar o debate, sem nada propor ou contrapropor.
A verdade que se esconde por trás de todas essas críticas, a par de desmerecer e desqualificar o trabalho da Comissão de Juristas, é o combate à própria ideia da reforma, tentando obstar a tramitação do projeto na origem, para manter o Código Civil de 2002 tal como está, com todas as suas assincronias, defasagens e incompletudes, denunciadas desde a sua aprovação.
De modo geral, as críticas são sempre bem-vindas. Imaginar uma proposição legislativa imune a censuras exigiria que a obra legislativa fosse dotada da perfeição de que carecem todas as obras humanas. No entanto, a crítica exclusivamente destrutiva, sem qualquer intuito de aprimoramento, denota apenas espírito emulativo e de verdadeira “lacração”, tão comum nos dias atuais.
* Membro da Comissão de Juristas do Senado do Senado Federal, responsável pela elaboração do Projeto de Reforma do Código Civil (PLS nº 4/2025). Doutor em Direito Civil (USP).
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG