
Pesquisadores da área de agroecologia são contrários ao leilão do terreno de 46 hectares e relatam possíveis impactos que a decisão pode trazer à pesquisa científica. Governo estadual quer leiloar unidade de pesquisa agroecológica de São Roque
A Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola (URPD) em São Roque (SP) está com o futuro incerto. Isso porque o imóvel de 46 hectares, que abriga a unidade e que pertence ao Governo do Estado de São Paulo, está na lista de espaços considerados ociosos e que podem ser leiloados.
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Uma audiência pública com participação da comunidade científica e que discutiria os impactos da venda total ou parcial da área, prevista para ocorrer no dia 14 de abril, foi suspensa por decisão liminar da Justiça. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento informou que recorre da decisão e que ainda não há previsão de nova data. Leia a nota completa no fim da reportagem.
Terreno público de 46 hectares é o primeiro da lista, e um dos únicos que abriga um instituto de pesquisa voltado à agroecologia, a ser leiloado pelo governo estadual
Mike Adas/TV TEM
Criada em 1928, a URPD pertence à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), e é destinada à pesquisa para o desenvolvimento de atividades agroecológicas que podem ser replicadas em todo o estado de São Paulo. Pesquisadores da unidade afirmam que o local está em pleno funcionamento, apesar da falta de investimento por parte do governo estadual.
O terreno em São Roque é o primeiro da lista que deve ser leiloado. Além desta área, outros 34 terrenos usados por institutos de pesquisa, de diversas áreas, podem deixar de funcionar.
O pesquisador científico Sebastião Wilson Tivelli afirma que o governo estadual ainda não se reuniu com os responsáveis pela administração da unidade a fim de entender os impactos que a possível mudança de espaço traria para a agricultura orgânica.
“Para entender o impacto da alienação da área em relação aos projetos de pesquisa que são tocados aqui. [A unidade] vem atendendo à demanda regional de pesquisa dos produtores de São Roque, vem atendendo à demanda estadual de treinamento de técnicos para atender à demanda por um trabalho de assistência técnica em agricultura agroecológica e produção orgânica. Tem um impacto ambiental importante para São Roque”, ressalta o pesquisador.
Especialistas avaliam em R$ 107 milhões o preço de venda do terreno em São Roque. No entanto, o governo estadual informou que ainda não há valor estimado da alienação e que isso será analisado por um órgão competente.
Sebastião Wilson Tivelli, pesquisador científico da Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento – URPD São Roque (SP)
Mike Adas/TV TEM
Impacto para a Rota do Vinho
São Roque tem aproximadamente 20 quilômetros de estrada que formam uma das rotas turísticas mais conhecidas do estado: o Roteiro do Vinho. São 16 vinícolas e produtores de vinho que empregam quase 2,5 mil pessoas em todo o roteiro e produzem 16 milhões de litros da bebida por ano. A cidade abriga a produção de diversos tipos de uva.
Para Marília Orantas, presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável de São Roque (CMDRS) e produtora rural, a venda do imóvel da URPD também impacta negativamente a produção de uva na região.
“Para quem planta, para quem produz alimentos, a preservação do espaço verde tem um papel essencial. A gente está falando da conservação de águas, da conservação de nascentes. Toda a parte de fauna, flora, abelhas, insetos, tudo auxilia a produção agroecológica. Como que a Rota do Vinho Paulista vai funcionar sem uma pesquisa de um vinhedo agroecológico como está sendo feita aqui? É uma perda imensa se isso acontecer”, avalia.
Presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável de São Roque teme impacto na produção de uva em São Roque (SP)
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Marília, por meio do CMDRS, enviou, em 3 de abril, um ofício ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pedindo o tombamento emergencial da unidade de pesquisa de São Roque para que o espaço passe a ser considerado patrimônio histórico e imaterial.
“Ali se realizam importantes serviços ambientais, como o manejo conservacionista do solo, da água, restauração florestal, entre outros. Vale destacar que o município de São Roque se encontra na Área de Proteção Ambiental de Itupararanga”, cita o documento.
‘É uma perda imensa se isso acontecer’, avalia Marília Orantas, presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável de São Roque
Mike Adas/TV TEM
Em nota, o Iphan informou que o pedido de tombamento foi recebido e ainda terá sua documentação básica analisada. Após esta primeira análise, caso a documentação esteja completa, o pedido será encaminhado para a abertura do processo de tombamento.
Conforme o instituto, uma vez identificados os valores nacionais do bem, tendo os estudos técnicos se manifestado a favor do acautelamento federal, e feita a devida análise jurídica processual, o proprietário é notificado sobre o tombamento provisório do bem.
“Para se ter um tombamento emergencial, é preciso, após pedir o tombamento, comprovar que há um risco de perda do bem e evidenciar o potencial deste para reconhecimento como Patrimônio Cultural Brasileiro. Conforme a Carta de Serviços ao Cidadão, o prazo para a conclusão de processos de tombamento é de cinco anos.”
Terreno público de 46 hectares abriga cultivos de uvas orgânicas. Trabalho foi desenvolvido na URPD de São Roque (SP) em 2018
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‘Entrega de um patrimônio’
Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), há aproximadamente 8 mil cargos vagos nos institutos de pesquisa que atuam nas áreas de agricultura, meio ambiente e saúde. A falta de mão de obra compromete as atividades nos institutos e pode resultar na ideia de que o espaço está ocioso.
Para Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC, a decisão de leiloar os terrenos públicos é um retrocesso.
“É a entrega de um patrimônio ambiental, científico e precioso para a iniciativa privada. Sem um estudo do impacto que isso vai causar sobre a própria geração de conhecimento, desenvolvimento da pesquisa, e sobre o meio ambiente. São Paulo está retrocedendo na ciência, em um momento de crise climática, de crise ambiental, em que deveríamos estar evoluindo, buscando ampliar os nossos conhecimentos. Estas áreas são fundamentais neste sentido.”
Ao todo, são 35 terrenos públicos que podem ser vendidos, doados ou emprestados. Conforme a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, ainda não está definido se as áreas serão totalmente ou parcialmente leiloadas.
Veja a lista de cidades:
São Roque;
Tatuí;
Jundiaí;
Itapetininga;
Iguape;
Peruíbe;
Campinas;
Nova Odessa;
Mococa;
Monte Alegre do Sul;
Piracicaba;
Ribeirão Preto;
Tietê;
Sertãozinho;
Ribeirão Preto;
Jaú;
Ubatuba;
Gália;
Itararé;
Palmital;
Dois Córregos;
Registro;
Cananéia;
Pirassununga;
Pindamonhangaba.
O que diz o estado
A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo informou, em nota, que realizará uma audiência junto à comunidade científica para discutir os possíveis impactos que a alienação dos 35 terrenos públicos podem trazer aos agricultores e à população.
Em relação à unidade de São Roque, a secretaria afirma que os procedimentos estão em andamento e que áreas eventualmente alienadas não comprometerão as atividades de pesquisa e a continuidade da produção científica no estado.
“As ações estão alinhadas ao Plano São Paulo na Direção Certa que estabelece diretrizes e ações voltadas à modernização da administração pública, ampliação da capacidade de investimento, aumento da eficiência no uso dos recursos públicos e redução de despesas correntes.”
Pesquisadores científicos e produtores rurais temem que a alienação do terrenos impossibilite a continuidade do trabalho de agroecologia em São Roque (SP)
Mike Adas/TV TEM
O que diz a prefeitura
O Departamento de Turismo, Desenvolvimento Econômico, Esportes e Lazer da Prefeitura de São Roque informou que, desde 2021, segue em tratativas com o governo estadual buscando a cessão da área, para que seja possível dar continuidade às pesquisas realizadas na unidade, que contribuem para a vinicultura e a agricultura municipais.
“A Divisão de Desenvolvimento Rural tem desenvolvido no local pesquisas importantes em parceria com o Governo do Estado, o Sindicato da Indústria do Vinho de São Roque e o Instituto Federal (campus São Roque). Entre os projetos, destaca-se a produção do Vinho Agroecológico, cujas primeiras safras já foram produzidas, representando um importante avanço para a vinicultura agroecológica municipal e nacional. A parceria de sucesso vem rendendo frutos em outras áreas, como os planos para o desenvolvimento de exemplares da alcachofra roxa de São Roque”, ressaltou.
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