Venda de sentenças: desembargadores agiram em decisão para alienar fazenda de R$20 milhões, aponta PF


Relatório elaborado pela PF ao Supremo Tribunal Federal vê indícios de que três magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e uma advogada, filha de um dos desembargadores, se articularam entre 2021 e 2024 para alienar e vender o imóvel rural que estava em inventário. Sideni Soncini Pimentel, Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Vladimir Abreu da Silva.
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Análises feitas pela Polícia Federal (PF) em telefones, documentos e movimentações financeiras dos investigados por venda de sentenças em Mato Grosso do Sul, apontam que três desembargadores e uma advogada – filha de um dos magistrados – agiram em conjunto em processo envolvendo a alienação de uma fazenda avaliada em R$20 milhões.
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A conclusão consta de relatório da PF, ao qual o g1 e a TV Globo tiveram acesso. No documento, os investigadores concluem que, em maio de 2024, o desembargador Sideni Soncini Pimentel proferiu decisão autorizando a alienação do imóvel, que estava em inventário.
Conforme a polícia, ficou demonstrado que Renata Pimentel, advogada e filha do magistrado, teria recebido R$920 mil “a título de venda das decisões a serem proferidas por seu pai”. O relatório cita, ainda, o envolvimento dos desembargadores Júlio Roberto Siqueira Cardoso (atualmente aposentado) e Vladimir Abreu da Silva.
Ainda de acordo com o documento, a alienação da fazenda já havia sido negada, em 2021 e 2023, por um juiz que substituía o desembargador Sideni Soncini Pimentel – então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – na ocasião.
Lapso temporal
A interpretação feita pela Polícia Federal sobre a participação dos desembargadores e da advogada é a de que houve tempo hábil entre o desenrolar do processo de inventário da fazenda e a decisão sobre a alienação do imóvel.
Conforme consta no relatório, Renata Pimentel teria recebido os R$920 mil da venda da decisão em outubro de 2022, ou seja, um ano e sete meses antes da autorização dada por Sideni, que alienou o imóvel.
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Repasse de dinheiro
A Polícia Federal analisou os conteúdos de mensagens do telefone de Renata Pimentel, trocadas com seu pai, Sideni Soncini Pimentel, em que constam informações sobre a compra de uma caminhonete para o magistrado, avaliada em R$217 mil.
Para a PF, fica comprovado que a obtenção do veículo é uma “forma de repassar o dinheiro que obtém com a venda de decisões dele”.
A advogada, segundo o relatório policial, também trocou mensagens com um vendedor e um funcionário de instituição financeira, solicitando o envio do carnê de financiamento da caminhonete, que estava em nome do pai. A PF também encontrou comprovantes bancários do pagamento do veículo.
Outro indício que, segundo a PF, reforça que os R$920 mil recebidos por Renata são proveniente de venda da decisão judicial, é o fato da advogada ter solicitado orientação a um contador sobre como justificar o pagamento do valor da caminhonete adquirida.
Em mensagens encontradas no telefone de Renata, ela pergunta se o valor deve ser justificado como relativos a honorários. “O contador responde para informar ‘empréstimo do sócio para empresa’”, cita o relatório.
O que dizem os investigados
Renata Pimentel: “Todas as operações financeiras constantes do relatório da Autoridade Policial estão de acordo com o livre exercício legal da advocacia e demais atividades empresariais que atua. E estão sendo objetos de ampla perícia financeira e fiscal para afastar quaisquer dúvidas”.
Sideni Soncini Pimentel: “O Desembargador Sideni nunca atuou em casos em que seus filhos fossem advogados. Todas as suas decisões foram fundamentadas, jamais recebeu qualquer vantagem indevida no exercício da jurisdição. A defesa apresentou um extenso parecer técnico contábil no qual aponta a origem de todas as receitas do desembargador, todas explicadas e lícitas. O desembargador prestou depoimento na Polícia Federal e esclareceu todos os fatos, não havendo motivo para continuidade de seu afastamento”, informou o advogado Pierpaolo Bottini.
O g1 não conseguiu contato com Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Vladimir Abreu da Silva até a última atualização desta reportagem.
Venda de sentenças
Desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afastados.
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Sete desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul são investigados pela Polícia Federal por venda de sentenças. Em outubro de 2024, cinco deles – que ainda estão na ativa – foram afastados dos cargos após deflagração da operação Ultima Ratio e determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os magistrados afastados são:
Sérgio Fernandes Martins (então presidente do TJMS à época da operação)
Sideni Soncini Pimentel
Vladimir Abreu da Silva
Alexandre Bastos Aguiar
Marcos José de Brito Rodrigues
Durante a operação, foram apreendidas diversas armas na casa de dois desembargadores. Além disso, foram encontrados mais de R$ 3 milhões em espécie. Somente na casa de um dos investigados, foram encontrados R$ 2,7 milhões. Segundo as investigações, entre os crimes cometidos pelo grupo estão:
lavagem de dinheiro;
extorsão;
falsificação
A operação, fruto de três anos de investigação da Polícia Federal, foi batizada de “Ultima Ratio”, um princípio do Direito segundo o qual a Justiça é o último recurso do Poder Público para parar a criminalidade.
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