
Em março deste ano, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) surpreendeu ao anunciar que pediria licença do mandato de deputado federal para passar uma temporada nos Estados Unidos. Lá ele pretendia cavar uma trincheira em defesa da família junto ao governo Donald Trump.
Na versão oficial, ele denunciaria a perseguição de autoridades brasileiras contra o pai, denunciado por liderar um possível plano golpista, e os irmãos, enroscados com a Justiça desde os tempos das “rachadinhas”.
Menos de dois meses depois ele já se comporta como porta-voz da Casa Branca.
Foi o que fez ao divulgar a viagem ao Brasil do coordenador do escritório de sanções do Departamento de Estado norte-americano, David Gamble.
Segundo o filho Zero Três de Jair Bolsonaro, a missão de Gamble era discutir sanções contra autoridades brasileiras – para bom entendedor, meia menção ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, basta.
Mas o deputado licenciado foi prontamente desmentido pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil.
Em nota divulgada pelo colunista Jamil Chade, do UOL, a representação norte-americana explicou que a viagem de Gamble havia sido organizada pelo próprio governo brasileiro. E o propósito é estabelecer uma cooperação entre os dois países.
Segundo a embaixada, Gamble “participará de uma série de reuniões bilaterais sobre organizações criminosas transnacionais e discutirá os programas de sanções dos EUA voltados ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas”.
Eduardo não entrou nesses detalhes. Mas o irmão mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), sim.
Presidente da Comissão de Segurança Pública no Senado, o Zero Um foi um dos parlamentares que se encontraram com Gamble nesta segunda-feira (5). Ele aproveitou a deixa para entregar um dossiê que relaciona as atuações das facções Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) ao terrorismo. O documento foi elaborado pelas Secretarias de Segurança Pública do Rio de Janeiro e de São Paulo, ambos estados sob chefiados por governadores bolsonaristas.
Em entrevista, Flávio chegou a citar possíveis vínculos dessas facções com o Hezbollah, grupo libanês considerado terrorista por Washington. Desde 2007 os Estados Unidos impõem sanções ao Líbano para estancar a atuação do grupo – o que poderia, sim, ser replicado por aqui.
Em todo caso, o que a comitiva mira não é, ao menos oficialmente, o que acontece nos gabinetes do Supremo. A não ser que este seja o tema de um possível encontro com o próprio Jair Bolsonaro.
Não por acaso, o governo brasileiro diz que só vai receber os enviados norte-americano se este encontro/palanque com o opositor não acontecer.
Enquanto a comitiva roda pelo país, sete denunciados pela Procuradoria Geral da República podem se tornar réus no STF por possível envolvimento na trama golpista. Cinco deles são militares.
Um deles, o major expulso do Exército Ailton Barros, é amigo pessoal de Jair Bolsonaro. Ele é investigado por pressionar (e atacar nas redes) os oficiais das Forças Armadas para melarem as eleições de 2022 na marra.
Barros não é um senhorzinho plantado na frente do Exército com a Bíblia na mão e orando por um país melhor. Ele queria mobilizar 1.500 soldados para tomar o poder à força e prender Alexandre de Moraes.
Em 2006, ele era capitão do Exército quando foi acusado de negociar com traficantes do Comando Vermelho a devolução de 10 fuzis e uma pistola roubados de um quartel em São Cristóvão, no Rio.
Em troca, ele teria aceitado (segundo testemunhas) que o Exército encerrasse ocupações em áreas do CV e atribuísse o roubo à facção rival ADA (Amigos dos Amigos). O acordo previa também a transferência de um traficante para Bangu 3.
Nada disso impediu Jair Bolsonaro de chamar o futuro réu no STF de “irmão”.
O mesmo personagem, vale lembrar, se gabava de saber detalhes jamais revelados sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.
Ronnie Lessa, um dos assassinos, era vizinho de Bolsonaro na Barra da Tijuca. E tinha conexões com o miliciano assassinado Adriano da Nóbrega, que empregou boa parte da família no gabinete do então deputado estadual no Rio Flávio Bolsonaro, por quem já foi homenageado.
Mas isso, claro, nem Eduardo nem Flávio vai contar para você. Nem para o enviado dos EUA para supostamente combater o crime no Brasil.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG