MP vê inércia da Unicamp em desvio milionário de recursos de pesquisa e cogita investigação criminal contra ex-reitor


Ex-servidora foi indiciada e está foragida após sair do país. Pesquisadores foram acionados pela Fapesp para devolver R$ 5,3 milhões desviados. Imagem de arquivo mostra um dos laboratórios da Unicamp
Antonio Scarpinetti
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apontou que houve inércia da Unicamp diante do desvio de pelo menos R$ 5,3 milhões em recursos públicos destinados a projetos científicos do Instituto de Biologia (IB) entre 2013 e 2024.
No despacho, datado de 30 abril, a promotoria também informou que deve encaminhar cópias do inquérito à Justiça Criminal para investigar a conduta do então reitor da universidade, Tom Zé. Ele nega qualquer negligência (leia a nota na íntegra abaixo).
No documento, o promotor de Justiça Angelo Santos de Carvalhaes destacou que a Unicamp “reiterou seu posicionamento de não adotar quaisquer novas providências, nem tampouco instaurar nova sindicância administrativa, em relação aos fatos objeto do presente inquérito civil”.
“A este respeito, contudo, deve ser consignado que existem fortes elementos do envolvimento de professores do IB – e do risco de prejuízo ao patrimônio público da Unicamp – quanto aos fatos que lastreiam o presente procedimento”, destacou.
Após concluir a primeira sindicância interna aberta para apurar o caso, a universidade estadual optou pelo arquivamento do processo, “uma vez que os prejuízos financeiros estão sendo suportados pelos docentes junto à Fapesp”. Veja, no fim da reportagem, o que diz a Unicamp.
Diante das inconsistências financeiras, a Fapesp ajuizou 34 ações de cobrança contra pesquisadores responsáveis pelas contas afetadas. Entre os casos já julgados, segundo a fundação, três pesquisadores foram condenados a devolver valores que variam entre R$ 31 mil e R$ 243 mil.
Ex-servidora fora do país
A auditoria interna realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) concluiu que o desvio total de recursos foi de R$5.384.215,88.
Desse total, R$ 5.077.075,88 foram movimentados diretamente por Ligiane Marinho de Ávila, ex-servidora da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), ligada ao IB.
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Ligiane é suspeita de ter feito 220 transferências bancárias, sendo cerca de 160 enviadas diretamente para a conta pessoal dela. Parte dos desvios também envolveu empresas da ex-funcionária e outras três pessoas jurídicas.
A Fapesp aponta que a ex-servidora agiu intencionalmente ao usar notas fiscais falsas para desviar recursos. Os pesquisadores, por sua vez, teriam contribuído por negligência, já que permitiram que ela acessasse as contas dos projetos, o que vai contra as regras da fundação.
Ligiane deixou o Brasil em 19 de fevereiro de 2024, um mês após os desvios serem descobertos. Em setembro, o Ministério Público pediu a prisão preventiva e a quebra do sigilo bancário dela.
O g1 solicitou uma posicionamento à defesa de Ligiane. O advogado Rafael de Azevedo, porém, disse que irá se pronunciar somente em coletiva de imprensa nesta terça-feira (6), às 9h.
Ligiane Marinho de Ávila, investigada pela Polícia Civil por suspeita de desviar verbas de pesquisa da Unicamp
Reprodução/EPTV
Prejuízo à universidade
O MP também contestou a posição da reitoria da Unicamp, que tratou o caso como um problema “alheio à universidade”. Para o órgão, há indícios de negligência por parte de docentes, que teriam entregue cartões e senhas bancárias à ex-servidora investigada.
Além disso, o documento destaca que a própria Procuradoria da Unicamp confirmou a existência de ações judiciais movidas pelos docentes contra a instituição de ensino, evidenciando risco de prejuízo ao erário.
🔎 Prejuízo ao erário é a perda de dinheiro público causada por fraudes, erros ou má gestão de recursos do Estado. Esse tipo de dano é previsto na Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/1992), especialmente no artigo 10.
“Outrossim, há necessidade de melhor esclarecer os fatos em relação às condutas praticadas pelos docentes, diante dos indícios de que também teriam participado da fraude – ou dela se beneficiaram, o que é corroborado pelos documentos remetidos pela representada”, complementou.
No parecer mais recente, o MP também requisitou à reitoria da Unicamp a abertura de uma nova sindicância administrativa para investigar os fatos do inquérito civil e a possível responsabilidade de pesquisadores e funcionários envolvidos.
Caso o reitor da universidade se recuse a atender à solicitação, será aberto outro procedimento para apurar a recusa.
Entenda suspeita de desvio milionário de verbas de pesquisa da Fapesp na Unicamp
‘Não houve negligência’, diz Tom Zé
Procurado pelo g1, o ex-reitor da Unicamp, Tom Zé, destacou que, durante o período em que esteve na gestão, “não houve qualquer negligência sobre o caso, sendo que determinei a instauração de sindicância administrativa para apuração dos fatos, sindicância na qual foram ouvidos vários servidores e analisados documentos”.
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Tom Zé também afirmou que “não houve recusa em aprofundar a investigação”, uma vez que a universidade pode fazer apurações somente no âmbito disciplinar, “sendo que não foram apresentadas novas provas que pudessem ensejar a instauração de outro processo de sindicância mais específico”.
“Como expressamente consignei em meu despacho, necessário que se aguarde o avanço do Inquérito Policial instaurado e das próprias ações judiciais movidas contra a Universidade para a reavaliação do assunto. Todas essas ponderações foram levadas ao conhecimento do Ministério Público. E essas ações nos parecem em expressa concordância com as preocupações levantadas pelo Ministério Público”, frisou, em nota.
Ex-reitor da Unicamp, Tom Zé
Antonio Scarpinetti/Unicamp
Defesa afirma que pesquisadores também são vítimas
O escritório de advocacia que representa os 34 pesquisadores acionados juridicamente para devolver os valores desviados pontuou, em nota, que as irregularidades foram identificadas e denunciadas pelos próprios cientistas, em um ato de “total boa-fé”.
“Apesar da postura colaborativa dos docentes, a FAPESP optou por direcionar esforços não à responsabilização da autora das fraudes, mas à cobrança dos valores diretamente dos pesquisadores, também vítimas da situação. Em janeiro de 2024, foram notificados administrativamente para reembolsar os valores desviados”, disse o texto.
Ainda de acordo com a defesa, os docentes entendem que “agiram corretamente e de acordo com todas as normas institucionais da FAPESP e da Unicamp — acostando, inclusive, documentos que comprovam a autorização dos órgãos para a entrega de cartão e senha ao Escritório de Apoio”.
Diante disso, os cientistas também ajuizaram ações individuais “com o objetivo de declarar inexigível a cobrança. São 30 (trinta) ações judiciais que tramitam nas 1ª, 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública de Campinas”.
“A maioria delas obteve decisões liminares favoráveis, garantindo a suspensão da cobrança e a continuidade dos projetos de pesquisa. Há sentença de improcedência em três casos na 3ª Vara, contudo, os docentes que tiveram seus projetos de pesquisas bloqueados por conta da decisão, já possuem decisão da Turma Recursal suspendendo seus efeitos”, explicou.
Por fim, a defesa disse que “os pesquisadores também são vítimas dessa situação e têm agido com total transparência e cooperação desde o início, buscando preservar a integridade da pesquisa científica e a legalidade na gestão de recursos públicos”.
O que diz a Unicamp
“A Universidade apurou os fatos internamente, mediante a instauração de sindicância administrativa, na qual foram ouvidos vários servidores e analisados documentos.
Ao final dos trabalhos, a Comissão de Sindicância recomendou a adoção de medidas administrativas para melhoria dos escritórios de apoio, concluindo pelo arquivamento do processo.
Importante esclarecer que os recursos desviados são da FAPESP. Inclusive, nas ações movidas pelos docentes contra a FAPESP, a Universidade e a FUNCAMP, as decisões de mérito têm sido todas favoráveis à Universidade, com condenação dos docentes ao ressarcimento dos recursos à FAPESP. Portanto, até o momento, não há risco concreto ao patrimônio público da UNICAMP.
A esfera de apuração da Unicamp se restringe ao âmbito disciplinar, sendo que não foram apresentadas novas provas que pudessem ensejar a instauração de outro processo de sindicância mais específico. Todavia, como restou expressamente consignado na decisão do Reitor, era necessário que se aguardasse o avanço do Inquérito Policial instaurado e das próprias ações judiciais movidas contra a Universidade para a reavaliação do assunto.
A Universidade está aguardando o andamento do inquérito policial em andamento, com a juntada de provas, para avaliação de abertura de nova apuração interna.
Não houve qualquer omissão do ex-Reitor na condução do caso, que determinou a apuração dos fatos, instaurando sindicância administrativa.
A Universidade recebeu hoje [segunda-feira], às 15:46, manifestação do Ministério Público, datada de 30/04/2025, com apresentação de novos indícios sobre o caso, e ofício datado e assinado às 15:31 de 05/05/2025, com pedido de abertura de sindicância administrativa, que será avaliado pela Universidade no prazo de 30 dias concedido para resposta”.
O que diz a Funcamp
“A Funcamp informa que colabora integralmente com todas as autoridades competentes nas apurações em andamento. A Fundação reitera seu compromisso inegociável com a ética, a integridade e a gestão responsável dos recursos públicos”.
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