
Recrutar pessoas à força para lutar pelo invasor é crime de guerra. Ativistas de direitos humanos e ucranianos contam como isso ocorre. Algumas vítimas são usadas como escudo humano no front. Escritório de recrutamento em Donetsk, região anexada ilegalmente pela Rússia em 2022
tringer/AA/picture alliance via DW
Em março, a Rússia fez a maior convocação para alistamento militar no país dos últimos 14 anos, destinada a 160 mil homens com idade entre 18 e 30 anos. O ano de serviço deles começou em 10 de abril.
O Ministério da Defesa da Rússia afirma que a última rodada de recrutamento, que ocorre semestralmente na primavera e no outono russos, não tem nada a ver com a guerra contra a Ucrânia. Mas homens nas regiões ocupadas pela Rússia de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson também estão sendo recrutados.
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De acordo com o Grupo de Direitos Humanos do Leste da Ucrânia (EHRG), pelo menos 300 pessoas dos territórios ocupados foram recrutadas para o Exército da Rússia no segundo semestre do ano passado, incluindo cerca de 200 das regiões de Zaporíjia e Kherson e 100 das regiões de Lugansk e Donetsk.
Poucas opções
“Se eu for mobilizado à força, vou me matar”, diz Oleksii (nome fictício). O jovem de 21 anos mora na parte de Zaporíjia ocupada pela Rússia, onde quer ficar com a família. “Eu teria que recomeçar minha vida”, diz ele.
Embora Oleksii agora tenha um passaporte russo, ele até agora foi poupado do recrutamento. Mas, desde o outono passado, as autoridades de ocupação russas exigem que os homens se alistem nas Forças Armadas, diz ele.
“Sem um documento de identidade russo, é quase impossível conseguir um emprego ou estudar em uma universidade”, explica Oleksii.
Embora não tenha conhecimento de nenhum caso de recrutamento forçado para o serviço militar, ele afirma que homens pró-Rússia se ofereceram para assinar contratos com o Exército russo.
Outro homem, de 28 anos, morador de uma vila ocupada na região de Lugansk, descreve uma situação semelhante. Ele ainda não aceitou um passaporte russo, e as autoridades de ocupação estão dificultando a vida de pessoas como ele. Chips para celular não podem ser comprados sem um documento de identidade russo, por exemplo, já que as telecomunicações estão sob controle russo, como confirmaram ativistas de direitos humanos.
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Pressão do plano de mobilização russo
Aqueles que se juntam aos militares russos são primeiro enviados à Rússia para treinamento, geralmente nas regiões de Rostov e Krasnodar, no sul, mas também perto de São Petersburgo ou Moscou. Alguns são enviados para a península ucraniana da Crimeia, ilegalmente anexada.
De acordo com Pavlo Lysianskyi, ativista ucraniano de direitos humanos e chefe do Instituto de Pesquisa Estratégica e Segurança, o Exército russo não montou seus próprios quartéis nos territórios ocupados por razões de segurança.
“Após o treinamento, muitos recrutas são enviados para o front depois de assinarem um contrato com o Exército russo”, diz Lysianskyi. Essa decisão às vezes é voluntária, mas frequentemente tomada sob coação devido à falta de alternativas, acrescenta.
Apenas alguns recrutas dos territórios ocupados escapam de ser enviados para o front, muitas vezes ficando estacionados perto de São Petersburgo ou Moscou por meio de conexões e suborno. Segundo Lysianskyi, apenas 15 homens conseguiram isso no ano passado.
O motivo é que o Exército russo está sob pressão para cumprir seu plano de mobilização. “Eles estão tentando compensar a falta de soldados regulares com homens que já concluíram o serviço militar”, diz ele.
Recruta na cidade de Simferopol, na Crimeia, ocupada pela Rússia, recebe seu uniforme antes de partir para o serviço militar
Sergei Malgavko/Tass/picture alliance via DW
Circunstâncias suspeitas
Um caso como esse foi descrito em um canal do Telegram focado na mobilização na chamada “República Popular de Donetsk”. Segundo o relato, um homem da parte ocupada de Donetsk foi enviado para a região de Krasnodar para o serviço militar e informado de que seria destacado para o front ao final do treinamento. “Os comandantes disseram que tudo já havia sido assinado para ele”, disse o autor do canal, Mikhail (nome fictício), à DW.
O homem recorreu à promotoria militar russa em busca de ajuda, mas seu destino é desconhecido, diz Mikhail.
Aqueles que aceitaram um passaporte russo e são maiores de 18 anos não são os únicos sujeitos ao serviço militar obrigatório. Qualquer pessoa que tenha cumprido o serviço militar nas chamadas “Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk” antes de fevereiro de 2022 (antes do início da invasão russa da Ucrânia) também é obrigada a servir.
De acordo com Mikhail, isso também inclui membros das “milícias populares” separatistas nas regiões ocupadas, que existiram de 2014 a 2022, que foram enviados à Rússia para o serviço militar. Além disso, homens em idade de alistamento nessas áreas estão sendo convocados ao cartório de alistamento para se registrarem para o serviço militar. “Mas não posso dizer qual é a extensão disso”, diz ele.
Propaganda de passaportes russos na região de Lugansk, controlada pela Rússia
dpa/AP/picture alliance via DW
Punição para quem se recusa
É praticamente impossível recusar o serviço no Exército russo, afirma Olha Skrypnyk, chefe do Grupo de Direitos Humanos da Crimeia da Ucrânia. A Rússia começou a recrutar homens ilegalmente em 2015 — primeiro na Crimeia anexada e depois em outras áreas ocupadas da Ucrânia, afirma ela.
“Antes da invasão russa em larga escala, cerca de 6 mil pessoas eram recrutadas na Crimeia todos os anos. Atualmente, não temos números, mas provavelmente aumentaram”, acrescenta Skrypnyk.
Recusar-se a servir na Rússia pode resultar em uma pena de prisão de até dois anos. Segundo organizações de direitos humanos, pelo menos 583 processos criminais foram abertos somente na Crimeia.
No entanto, de acordo com a revista online russa Verstka, que é crítica ao Kremlin, nenhum dos afetados recebeu pena de prisão no primeiro semestre de 2024: três foram condenados à liberdade condicional e os demais receberam multas.
O recrutamento forçado é um crime de guerra. No entanto, essas punições não isentariam ninguém de servir no Exército russo, afirma Skrypnyk, enfatizando que o recrutamento militar nos territórios ocupados viola o direito internacional humanitário e constitui um crime de guerra. A Rússia vem recrutando ucranianos que vivem nos territórios ocupados desde 2022 e frequentemente os trata como “escudos humanos”, afirma.
“Sabemos de casos em que homens desarmados e convocados foram colocados à frente do Exército regular, tornando-os os primeiros a serem atacados. Isso foi praticado em massa em 2022.”
De acordo com o Grupo de Direitos Humanos da Crimeia, a Rússia enviou inúmeros recrutas da Crimeia anexada durante sua invasão da Ucrânia. Skrypnyk afirma que pelo menos 1.873 membros de unidades russas na Crimeia foram mortos desde 2022, enquanto 116 residentes da Crimeia foram feitos prisioneiros pelas Forças Armadas ucranianas.